Que pena...


Que pena… Ela era só uma mulher que queria ser tratada como tal. Ela só queria que aquela relação fosse forte o suficiente para sobreviver ao caos que se instalara em seu coração. Ela só queria que o amor falasse mais alto. Mas parecia que já não havia mais sentimento. Não da parte dele.

Ela nem sequer se lembrava de quando aquele relacionamento havia sido bom, se é que em algum momento ele foi. Ela lutou até as suas últimas forças para construir um futuro ao lado dele. Ela dizia que ele ainda a amava, mas já não sabia mais se ainda gostava dela. Ela sabia que havia ainda muita coisa que a fazia depender dele. Convívio, amizades em comum, contato com a família. Decidir entre seguir em frente mesmo ferida ou colocar um ponto final e ficar - literalmente - sozinha nesse mundo, esperando o machucado cicatrizar.

Qual decisão tomar?

Ela então decidiu desabafar. Pegou um caderno usado da época da escola e uma caneta, e começou a escrever em uma página em branco aleatória.

“Que pena… você não consegue ver. Tá tão absorvido no seu mundinho que não consegue perceber. Essas suas atitudes só me magoam. Machucam. Gangrenam. Eu tô cansando e você nem liga. Estou lutando e você nem faz questão de segurar a minha mão. De me ajudar, de me dar apoio.

Aos poucos meus sentimentos estão sumindo. É você quem está fazendo isso comigo. Eu não estou aqui para atender seus próprios interesses apenas, mas há muito tempo não vejo reciprocidade da sua parte.

Estou me tornando fria como gelo. Você já não me desperta aquela avalanche de emoções, e parece nem fazer questão. Nem sequer faz o mínimo de esforço pra isso. Você morde e depois assopra, achando que apenas o seu hálito vai curar a dor e estancar o sangue que corre da ferida que você abriu. E depois reclama que eu não demonstro mais amor. Que amor? Aquele que você fez questão de matar aos pouquinhos como se fosse uma tortura?

Desculpa, mas eu não consigo mais. Não tenho mais forças para resistir. Eu desisti. Mas vou tentar ignorar as feridas porque elas vão cicatrizar. Só não vou mais dar murro em ponta de faca, porque cansei de me machucar.”


Leu. Releu. Sentiu escorrer pelo seu rosto cada lágrima doída, saída do fundo da sua alma, lavando a ferida do seu coração que estava aberta, sangrando. Discussões, falta de carinho e de compreensão. Ela não era ouvida, mas tinha que ouvir calada. Queria dar um basta naquela situação. Coragem era o que lhe faltava. Tanta coisa em jogo. Seria egoísta ao ponto de dar as costas a tudo, magoá-lo e, de brinde, magoar toda a família dele? Ou engoliria mais aquele sapo, tentaria perdoar cada palavra dura e enterraria seus próprios sentimentos debaixo de um tapete para ver todos os outros felizes, menos ela mesma?

Não sabia o que fazer. Um grande temor invadia seu peito. Medo de ficar sozinha. Medo de estar sozinha. Mal sabia que sozinha ela já estava há muito tempo. Ela, logo ela, tão feminista em seus ideais, tão omissa dentro do próprio relacionamento. Nenhuma mulher merece passar por um relacionamento abusivo, ela dizia para todos. Mas estava presa em um. Palavras e atitudes que machucam mais que um tapa. Mas ela ainda estava ali. Com a desculpa de que todo relacionamento é difícil, lidar com pessoas é difícil, todo casal passa por problemas.

Arrancou a folha do caderno, amassou e jogou no lixo. Decidiu continuar tentando mais uma vez. Tentando ser feliz, e falhando miseravelmente. Que pena...


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A dona do blog




Andressa Soriano, 27 anos, São Paulo SP - Brasil.
Cristã, casada, formada em Jornalismo. Apaixonada pela Palavra de Deus, por livros, músicas, pela arte de escrever e criar conteúdo, pelo idioma espanhol.
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