Pollyana era o tipo de garota que adorava um clichê. Apaixonada por rosas vermelhas, bombons e uma carta de amor, foi assim que ela foi conquistada pelo namorado, o Douglas, que trabalhava junto com ela num buffet. Ele saiu de lá e foi trabalhar com telemarketing, e ela conseguiu uma vaga de recepcionista numa clínica odontológica.
Numa noite de sexta-feira, na saída do trabalho, lá estava Douglas esperando Pollyana. Ela, toda feliz, foi lhe dar um abraço, mas ele se esquivou.
- Que houve, querido? - perguntou com um certo tom de mágoa pela rejeição.
- Estou chateado, Polly. Invento mil coisas diferentes para te agradar e tudo o que você faz é me escrever essas cartinhas cheias desses clichês de livros de romance que você lê. Pra quantos mais será que você não fez o mesmo?
- Que e isso, amor... As palavras que eu escrevo são do fundo do meu coração... Assim você até me ofende...
- Pois então eu quero que você escreva outra cata para mim, mas sem usar clichês. Quero que seja algo especial, exclusivo só para mim.
Com o olhar cabisbaixo, Pollyana aceitou o desafio com resignação. Entretanto, preocupou-se: será que ela conseguiria fugir de seus clichês?
(...)
No dia seguinte, Pollyana saiu mais cedo do trabalho e nem quis esperar Douglas chegar. Foi direto para casa. Ele, que estava se arrumando para ir buscá-la, já havia enviado várias mensagens no Whatsapp, mas não obteve resposta. "Será que ela ficou brava comigo?", pensou; mas logo lhe veio à cabeça a forma perfeita de como se reconciliar com ela, e ficou tranquilo.
Pollyana chegou em casa tentando disfarçar a tristeza, já que não queria que seus pais a percebesse. Comeu uma maçã e se trancou no seu quarto. Pegou caneta e caderno, e começou a escrever.
"Se no ontem sofri
No hoje sou feliz
Porque tenho você
O homem que eu sempre quis..."
- Não, muito clichê. Não é isso que ele quer. - arrancou a folha, amassou, jogou-a longe, e tentou de novo.
"Eu não teria forças para viver se você fosse embora..."
- Não! Também é clichê. - fez o mesmo que à outra folha, e tentou mais uma vez.
"Será que dizer 'eu te amo' é clichê? Será que dizer que quero dividir toda a minha vida com você é clichê? Será que elogiar seus olhos ou confessar que tenho medo de te perder é clichê?
Pois se for, sinto muito. O amor é clichê. Se não fosse, raríssimas seriam as canções que falam dele, os poemas que o descrevem, as pessoas que o sentem ou já sentiram.
Se tudo o que já escreveram é clichê, então deixe ser. A essência dos apaixonados deve ser a mesma, e por isso tanto repetem as mesmas coisas.
Mas se quer exclusividade em algo, o tem: em meu coração. Nele, você é único; nele você é prioridade e preferência.
Se minhas palavras singelas não sabem descrever esse amor como você quer, perdoe-as. Elas só tentam expressar o que há de mais belo no mais profundo da minha alma."
- Quer saber? É isso mesmo que eu vou entregar. Se ele não gostar, paciência... - arrancou, determinada, a folha do caderno, tirou as rebarbas, dobrou-a e a guardou num envelope vermelho, que comprou na papelaria no dia em que começou a namorar com Douglas.
(...)
Douglas, que já estava chegando na entrada da clínica, ouviu o bip do celular, avisando que chegou mensagem no Whatsapp. "Amor, já estou em casa. Tenho sua carta aqui. Pode vir pra cá?"
E ele foi. Chegando lá, Pollyana correu para abraçá-lo, beijá-lo, e receber com aquele carinho o remédio para a mágoa que ainda restava em seu coração. E lhe entregou a carta, escrita com letra caprichada e com seu perfume borrifado no envelope.
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