Era um fim de tarde normal de verão. Alice estava sentada na calçada com algumas amigas da igreja, conversando. O sol que estava se pondo batia nela, fazendo-a ficar com um ar doce e meigo. Suas roupas eram simples, apenas um vestido colorido e chinelos.
          João estava a duas quadras dali, nervoso, apreensivo. Tinha em mãos uma maçã do amor e um pequeno bilhete, que pretendia entregar à uma moça muito bonita daquela roda de amigas. Ele gostava muito dela, apesar de nunca terem se falado por mais de cinco segundos. Ela era perfeita.
          A passos lentos, ele ia em direção as meninas. A todo momento pensava em sair correndo para o lado oposto, mas tinha que tomar coragem e ter uma atitude. Não podia deixar sua timidez impedir de conhecê-la melhor.
          Alice olhou para o lado, e viu um homem muito bonito chegando de mansinho perto delas.
          - Meninas, vocês conhecem aquele rapaz?
          "Não" foi a resposta de todas elas; entretanto, ela tinha a impressão de que o conhecia de algum lugar. Como era muito extrovertida aquela jovem, logo gritou "HEY, VOCÊ! COMO É SEU NOME?". João ficou envergonhado, quase paralisou ao ouvir a voz daquela moça bonita.
          - Meu nome é João - disse, quase gaguejando. - E o seu?
          - Alice. Prazer em conhecê-lo.
          Aquela conversa a distância estava estranha. Os dois tinham que gritar para se ouvirem. Alice então o chamou para sentar ao lado dela, no meio da roda de garotas.
          - Trouxe isto para você. - disse João, entregando a tal da maçã do amor, com as faces mais quentes de vergonha do que dos raios de sol batendo em seu rosto.
          - Obrigada. Eu conheço você de algum lugar...
          - Somos da mesma igreja; geralmente nós nos cumprimentamos na saída dos cultos.
          João colocou o bilhete entre eles com tamanha discrição que a moça só reparou quando todas as meninas foram embora, deixando-a sozinha com o rapaz. Alice o pegou do chão, pois havia visto seu nome escrito. Abriu, leu e sorriu; mas foi aquele sorriso gostoso, de orelha a orelha, de uma alegria intensa e imensa que preencheu seu coração. Aquele moço bonito a estava cortejando.
         João levantou-se, despediu-se e foi embora. Alice também se levantou, e contente como uma menina, foi para sua casa.

Eram três horas da madrugada, e Alice ainda estava sentada em sua mesa de jantar, com várias contas para pagar ao seu redor, e um caderno cheio de cálculos de orçamento. Estava tão concentrada naquela tarefa, que nem percebera o tempo passar. Apesar de perceber que não estavam numa situação agradável, ela tinha fé de que Deus não os desampararia.
João decidira se levantar, não estava conseguindo dormir sem sua esposa ao seu lado na cama. De robe cinza, abriu a porta, encostando-se no batente e observando sua bela mulher.

— Ainda fazendo contas, amor? 

 — Sim, querido. Não estamos numa situação agradável, vamos ficar apertados esse mês. Mas não se preocupe, Deus proverá.

Os olhos de Alice brilhavam, e João teve certeza de que a fé que ela tinha já o havia afetado. Deu alguns passos em direção à mesa, e sentou-se ao seu lado.

— Como chegamos nesse ponto, Alice?

— Estive fazendo os cálculos, e percebi que devido aos gastos extras que tivemos, como o dinheiro que enviei pra minha avó, o presente da Isabela, as contas também vieram mais caras esse mês...

— Amor... você andou dando mais do que o que sempre dá para aquela instituição que cuida de crianças abandonadas. Eu vi no seu recibo.

 — Eu sei... não resisti ao ver aqueles olhinhos pidões daquelas crianças... como não resisto aos seus.

— Que saco, hein mô! Isso foi golpe baixo. E você sabe as regras que estabelecemos para administrar nosso dinheiro, mocinha. 

Alice não aguenta e ri.

— Sei sim, amor. Nas contas eu incluí tudo: a parte do nosso salário que é para ajudar nossos pais, as contas que nesse mês vieram mais caras, o dízimo, tudo. Olha aqui.

João conferiu as contas efetuadas com perfeição por sua esposa. Olhou-a com aquele olhar de ternura, enquanto ela continuava preocupada em revisar suas equações para conferir se havia se equivocado em alguma.

— Hey amor, eu te amo. Você é a mais linda contábil que eu já vi na minha vida. Não importa se vamos passar por um pouquinho de dificuldade. Agora vamos pra cama, preciso de você pra dormir tranquilo.

Alice abriu o sorriso. As palavras de seu esposo sempre a fizeram se derreter por dentro, e mesmo naqueles momentos difíceis, ela sabia que era feliz com ele. Deu a mão para João, que a puxava em direção ao quarto, com uma paradinha no interruptor. Disse bem baixinho "obrigada Senhor, pela Tua provisão, por Teu amor, e por ter me dado o marido perfeito de presente", entrou no quarto, fechou a porta.