Questão de Respeito



Ai meu Deus do céu!”, disse Ana Clara ao acordar. Estava atrasada para ir ao trabalho. “Por que o despertador do celular não tocou?”

Era por volta de 8h30 da manhã. Ela tinha que estar no trabalho às 8h. Pelo menos uma vez por mês o seu celular não a despertava, e ela acabava acordando atrasada. Trabalhava com telemarketing, fazia faculdade de administração à noite. Seu foco atual era tentar subir de cargo para supervisora, para ganhar um pouco mais e conseguir juntar dinheiro para sua viagem dos sonhos: EUA. Mais especificamente: Disney.

Nota-se que era uma garota comum. Tinha 20 anos, cabelos escuros, lisos de prancha e compridos até a cintura, olhos castanhos, pele bronzeada da praia no fim de semana. Curtia Funk, pagode e sertanejo universitário, e quando podia estava nos bailes de favela. Tinha um crush novo que conversava sempre no WhatsApp. Trabalhava fazendo cobrança, numa empresa terceirizada. Recebia um salário de novecentos reais, fora a comissão que podia chegar a setecentos reais. Estava sempre maquiada e com a unha feita, e fazia sua “make” no metrô, pois demorava uma hora para chegar à estação próxima de onde trabalha.

Levantou-se e se trocou o mais rápido que pôde. Escovou os dentes, pegou a bolsa que sempre deixava pronta na noite anterior, o pão com mortadela e queijo que sua mãe preparou, e saiu correndo, pois cada minuto de atraso era descontado do seu salário, fora o risco de perder a comissão caso não conseguisse compensar o atraso depois do seu horário. Justo naquele mês que tinha semana de provas na faculdade, e ela já havia conseguido bater a meta...

Pegou o ônibus, para subir a rua até o metrô, pois era mais rápido. Em menos de dez minutos já estava descendo na estação. Passou da catraca, foi em direção à escada rolante. E lá estava mais um pesadelo acontecendo: uma velhinha parada do lado esquerdo da escada. Parada. No lado esquerdo da escada. Em pleno horário de pico ainda, pois acabara de dar 9h. “É hoje que eu não chego no trabalho, hein...”, pensou. Sabia que se pronunciasse isso em voz alta, a senhora à sua frente se ofenderia e começaria  a reclamar, dizendo que ela deveria respeitar os mais velhos.

Assim que conseguiu descer a escada, passou na frente da velha e ficou esperando o próximo trem, pois aquele que estava parado na plataforma acabara de fechar as portas. “Eu espero o trem, mas ele não me espera...”, pensou.



Quando o trem seguinte chegou, foi empurrada por uma enxurrada de pessoas, mas sentiu uma mão específica nas suas costas: a da senhora folgada que estava parada do lado esquerdo da escada rolante. Linha vermelha é sempre lotada. Revoltada com aquela situação, sentou-se no lugar preferencial, e dali não saiu, deixando a idosa em pé. As pessoas até ficaram olhando torto para ela, mas Ana Clara simplesmente colocou seus fones de ouvido e começou a ouvir a música “10%” de Maiara e Maraísa, pensando: “O desrespeito da velha ninguém viu”.

CONVERSATION

2 comentários. Clique aqui para comentar também!:

  1. Hahahahahaha Celular que não desperta? Quem nunca? Muito bom, amiga!

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    1. Obrigada, migaaaa!!

      Eis o mistério: POR QUE RAIOS O CELULAR NÃO DESPERTA? kkkkkkk

      <3

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A dona do blog




Andressa Soriano, 28 anos, São Paulo SP - Brasil.
Cristã, casada, formada em Jornalismo. Apaixonada pela Palavra de Deus, por livros, músicas, pela arte de escrever e criar conteúdo, pelo idioma espanhol.
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